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sábado, abril 17, 2010

A SOLIDÃO

Caros colegas e amigos
O tema proposto tinha sido outro, mas por facilidade alterei-o,  para poder publicar este texto para o qual solicito os v/comentários.
Como sabemos é um tema que é transversal a toda as idades.

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FICÇÃO:
   Era um casal como muitos outros. Tiveram filhos, foram envelhecendo. Os filhos casaram, e agora tinham todo o tempo para eles. Até ali, os afazeres eram muitos, e quantas vezes se queixavam que muitas coisas ficavam por fazer por falta de tempo.
   Fernando, era um homem simples, e aceitava o passar dos anos com resignação. Os sonhos estavam cumpridos, filhos casados e agora finalmente tempo para ele.

   Teresa, era diferente. Casara com Fernando, mas não tinha paixão por ele. Os anos iam passando, e isso afligia-a. Agora o tempo sobrava-lhe, e isso desassossegava-a. Na sua cabeça continuavam como sempre a bailar sonhos por cumprir. Cada vez mais lhe custava aceitar envelhecer ao lado de Fernando. Não era que não tivesse amizade e companheirismo por ele, mas perdera a capacidade de um gesto de ternura, de uma manifestação de amor. Sentia-se moribunda, sem alegria. Os dias à medida que passavam doíam-lhe, sentia faltar-lhe o tempo, e morria sem esperança. Muitas vezes equacionara uma mudança, mudar de rumo, mas a simplicidade, quase inocência de Fernando tolhia-lhe os movimentos. Passavam os dias, levando com eles todas as esperanças de felicidade. Sentia perder a alma.

   Um dia disse ao marido.
- Fernando? Se eu morresse, como viverias esse acontecimento?
Nunca Fernando pensara no assunto. Ele estava bem, era melhor não pensar, e voltou-se para a mulher.
- Até podemos morrer no mesmo dia.
Teresa estava disposta a levar mais longe a conversa.
- E se nos separassemos, isto é. Um de nós não quisesse continuar a viver com o outro?
Fernando não atribuiu significado aquelas palavras, ia-se a afastar, mas Teresa insistiu.

- E se fosse eu a afastar-me?
   Fernando, ficou ali sem pensar, aquelas palavras eram-lhe estranhas, não cabiam no seu vocabulário. Olhou para a mulher com olhar inexpressivo.
- Não entendo muito bem o que estás a dizer!

A mulher, fez uma pequena pausa e continuou.
- Desculpa Fernando. Eu não sou feliz contigo. Estou a pensar mudar a minha vida.

   Fernando ficou só. Atordoado. A casa, tornara-se demasiado grande, as paredes e o tecto pesavam-lhe, sentia-se comprimido, como se carregasse um enorme fardo. Não conseguia permanecer naquele silêncio. Tinha que sair, para se perder nas ruas as vezes semi-desertas. Só voltava a entrar em casa quando as pernas não aguentavam mais, para se meter na cama e forçar o sono que não vinha.
   Num destes passeios sem sentido, os olhos detiveram-se naquele letreiro que conhecia, mas que nunca lera. Dizia; “CENTRO DE DIA”. Havia lá pessoas. Aproximou-se da porta, e de leve tocou a campainha. Não demorou muito, que uma senhora a rondar os quarenta anos viesse abrir a porta, convidando-o de imediato a entrar. Conduziu-o para uma pequena sala com sofás, e sentaram-se.
- Diga o que quiser, aqui estamos sós, e o que disser fica aqui connosco.
   Fernando queria falar, mas não conseguia. Sentia a cabeça enorme, as ideias estavam tão emaranhadas, que teve que tossir ligeiramente para poder articular as primeiras palavras.

- Eu… eu…, estou só, e perdido.
- Quem nunca esteve só, pelos menos uma vez? Disse Margarida, depois de se ter apresentado.
   Estas palavras sossegaram um pouco Fernando. Tinham sido palavras pronunciadas com ternura e compreensão.
   Estou melhor, preparou-se Fernando para sair.
Margarida acompanhou Fernando até a porta, tocou-lhe no braço e disse-lhe carinhosamente.

- Volte amanhã.

Já fora da porta Fernando disse com convicção.

- Até amanhã Margarida.



Teresa era também uma mulher feliz.

Válter Deusdado

7 comentários:

  1. Bem, temos aqui escritores!
    Comentando a ficção:
    O tema do envelhecimento é sempre novo, pelo menos para aqueles que o sentem a espreitar à esquina do tempo…
    Teresa, sem paixão, nunca a tivera, acha que chegou a altura de mudar(!). Agora que já nada a prende e conseguiu, finalmente, libertar-se das grilhetas sociais que a prendiam a Fernando. A idade deu-lhe a coragem que nunca tivera…
    E Fernando? Ele foi um apaixonado? Ou ele também se limitou a cumprir as normas sociais dum relacionamento dito normal!
    Os dois velhos seguem caminhos distintos. A rotina quebrou-se, para o bem e para o mal. A procura é então mais difícil, sobretudo para Fernando, ele mais acomodado, surpreendido com a proposta de mudança de Teresa.
    O Centro de Dia é aquela luz ao fundo do túnel e Margarida é a bóia que o mantém à tona.
    Teresa já segue a sua (nova) vida e Fernando luta para superar as novas e inesperadas dificuldades.
    … a vida é composta de mudança… até ao fim
    Lançando a polémica:
    E o Centro de Dia que aqui aparece como uma solução, até que ponto o é? Para o Fernando ou para os muitos Fernandos que somos nós todos?
    Da minha experiência como animador/voluntário desses espaços, reconheço ser preferível estar num Centro de Dia do que em casa sozinho. E a família?
    Onde é afinal o lugar dos idosos?
    CN

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  2. Caro professor Nascimento
    Fiquei muito agradado com o seu comentário.
    Tratando-se embora, de um texto ficçionado, não deixa de traduzir vivências observações, que cada um de nós um pouco atento as popderá sentir.
    Agrada-me a Teresa, que nunca perdeu a esperança dos seus sonhos.

    Cumprimentos
    Válter

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  3. Os idosos possuem muita sabedoria acumuladas na vivência diária, e nos ensinamentos que a vida lhes proporciona. Em todos os dias que passam, em cada semana, a cada mês e a cada ano, a experiência aumenta com a mesma intensidade que aumentam seus cabelos brancos. A cada fio branco que surge é mais uma lição adquirida. O ser humano envelhece apesar do extinto de conservação, mas o espírito continua jovem. É ele que auferiu aos seus dependentes, esforços, educação, amor, fraternidade e carícias mil. Não devemos abandonar nossos idosos á própria sorte. Que bom seria se toda humanidade se conscientizasse do amor fraternal, que devemos dispensar aos nossos antepassados. O homem pelo seu egoísmo, pela sua arrogância e falta de amor só pensa em si e em usufruir benefício próprio. São necessárias estroturas para melhorar as condições do idoso.

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  4. A SOLIDÃO NO CASAL

    Um casal astá zangado e não se falam.
    Uma noite, o marido, que estava habituado a que a mulher o acordasse de manhã, escreve um bilhete que diz: - Faz favor amanhã acorde-me ás 07.15 horas! .E coloca-o na mesa de cabeceira da mulher
    Na manhã seguinte acorda,está sozinho na cama, e verifica espantado que são 09.00 horas. Levanta-se irritadíssimo e ao olhar novamente para a sua mesa de cabeceira repara num bilhete que diz:-
    São 07.15! Acorde!

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  5. Disse a Ilda que os idosos são experientes, mais experientes que os não idosos. Eu acrescentaria um “em geral” considerando que há gentes de idade que não tiveram oportunidade de experienciar muita coisa, logo, sobre essa não têm assim muita experiência. Mas concordo com a sabedoria acumulada que lhes advém da experiência de vida.
    Com efeito, a nossa sociedade pouco valor dá aos idosos e à sua experiência. Por muito que se propague (os papagaios do costume), os idosos deixaram de ter lugar na família, ficando um grande vazio, por exemplo, no acompanhamento dos jovens que, com os pais cada vez mais ausentes, perdem (ou não chegam a adquirir) as suas referências, sendo remetidas para o “isolamento” do seu ciber-quarto.
    Parece que agora querem “dar” até 450€ a quem quiser se constituir como família de acolhimento de idosos… (sem outra família?) Mais uma caricata situação! Parece que a Segurança Social/Misericórdias recomendam aos seus protocolados com valência de lar de idosos a cobrança de, no mínimo, €750 pelo internamento, em vez dos 80-85% sobre os rendimentos.
    O custo da “experiência” também difere consoante o jeito que dá, ou não dá,a possibilidade de se “utilizar” essa experiência.
    CarlNasc

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  6. Quanto à historieta da Isa, presenciamos algumas dificuldades de comunicação, em meu entender mais própria dos casais em geral, do que em casais de idade. Dos idosos que eu tenho conhecido, a tolerância vem sendo cada vez mais praticada em benefício de um melhor entendimento e, sem dúvida, de algum consciente ou inconsciente combate ao isolamento que advenha do corte.
    Apesar de ser ainda muito novinho(!!!), venho constatando que, à medida que os anos vêm passando, a minha mulher vem sendo cada vez mais paciente comigo... e eu também, quer dizer, acho eu!
    CarlNasc

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  7. Penso que o texto intitulado "A Solidão", pode ter muitas leituras. Quem se o autor não quis atribuir á Teresa, uma faculdade formidável que tende nos nossos dias a desaparecer. O divórcio era tabu até há pouco tempo. A Teresa sabia disso, viveu com isso, criou os filhos, e só depois colocou os seus sonhos e a procura da felidade para ela. Será virtude ou defeito?
    A Teresa como muitas mulheres neste Pís foi formidável.

    Válter

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