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segunda-feira, janeiro 10, 2011

Os sem abrigo na cidade

FICÇÃO

Quase todos os dias José Augusto por indicação médica, percorria algumas ruas da cidade. A maior parte das vezes, acabava por fazer o mesmo percurso.

De Verão fazia-o depois de jantar, mas no Inverno esta volta ficava para o fim de tarde.

Durante a caminhada lembrava-se dos lugares da sua aldeia, que ele percorrera quando garoto, e agora estabelecia equivalência com as distâncias que fazia com os lugares de outrora. E pensava era como ir ao Barrocal e voltar.

Estava ele nestes pensamentos, quando olhou para a esquina de um prédio em obras, que fazia uma reentrância com outro, quando viu um vulto de uma pessoa envolta numa manta velha, atirado ali para o chão, sem nenhuma compostura para passar ali a noite. Era um sem abrigo como se diz na cidade. Era um quadro bem triste, de alguém que perdera, quem sabe a alma. Teria desistido de tudo? Não esperava por ninguém nem por nada? Amanhã se veria. Por cima dele estava agora um prédio renovado de paredes pintadas, com as suas varandas de ferro limpo a brilhar, Ali junto ao lancil estava José Augusto. Parecia ser o cenário de um teatro que ele vira em pequeno. A rua estava deserta, a luz dos candeeiros afagava os contornos da noite. A lua lá por cima assistia a tudo. Na varanda aparecia a actriz principal. Olhava para baixo, acenava com a cabeça, e com a sua voz forte dizia;

- “Nunca desistir, morrer de pé como as árvores” -.

O nosso sem abrigo já havia desistido da representação.


Válter Deusdado

1 comentário:

  1. Os s e m a b r i g o:

    Olhamos para eles
    e sentimo-nos incomodados.

    Incomodados e impotentes.

    Podemos aliviar a consciência
    com uma moeda.
    Ou com comida.

    Ficamos aliviados mas não curados.
    Há qualquer coisa que continua a roer
    por dentro.

    A culpa não é nossa.
    Individualmente.
    Se calhar nem deles.
    Individualmente.

    É bom que nos sintamos incomodados.

    Será ainda melhor
    se fizermos alguma coisa.
    Alguma coisa significativa.
    Alguma coisa que os alivie.

    E também alguma coisa que evite
    o aparecimento de outros como eles
    (eventualmente nós próprios).

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