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terça-feira, maio 10, 2011

A CORRIDA

FICÇÃO:

   Ele corria corria, como se a ausência aquele encontro marcasse para sempre a sua vida. Quando lá chegou, atrasado, não estava lá ninguém. Aquela ausência, aquela mudez, fê-lo voltar para trás, agora devagar, indolente, como se estivesse a sair de um pesadelo, carregando um peso enorme.
  Ainda novo fizera semelhante corrida, e embora sem se atrasar, os resultados não foram nenhuns. Tinha outra idade e rapidamente se esquecera do ocorrido. Coisa de garotos ria-se ele hoje.
   Mas desta vez tinha preparado tudo com tanta antecedência, pensara em tudo, só não pensara no fracasso. Agora, achava que sobrevalorizara aquele encontro. Afinal, nada é definitivo. Correr, correr uma vida inteira, era uma fatalidade. Por vezes sentia-se cansado. Mas aquela corrida era importante, marcava um objectivo, sempre o mesmo, a felicidade. Queria provar a ele próprio ser possível, ao que todos diziam ser um sonho. Não queria deixar-se dominar pelo tempo, mas este ameaçava faltar-lhe. Então tinha que correr, não podia deixar que o tempo lhe retirasse essa possibilidade. Por vezes, parava um pouco para retemperar forças, e sentia-se cansado, lá isso sentia-se.
   Aquela corrida tinha mudado muito da sua vida. Era estranho, ter a sensação de que estamos a morrer e simultaneamente a viver com mais fervor. Aquela caminhada não tinha fim. Nunca acabaria. Caminharia sempre, e no fim, depois dos pés se recusarem, não desistiria, porque não podia parar, porque já nada era igual. Doía-lhe a falta de esperança, a mesquinhez dos preconceitos, tudo se extinguia, mas aquela chama não. Mudasse o Mundo de lugar e tudo arrastaria, e nova corrida empreenderia. Dera tudo o que de melhor possuía, e o Mundo, devolvia-lhe o que de mais amargo existia. Perdera o querer, sem nunca renunciar ao sonho. Empenhara-se naquela corrida, em cuja meta um dia acreditara, mas não era assim, derrubadas tantas barreiras, levantou os olhos e viu muitas mais barreiras. Não desistiu, apenas sentiu necessidade de descansar. Tinha idolatrado anjos e demónios, mas a realidade, o Mundo, os homens nada era assim. Parou e manteve os olhos baixos, para não ver ninguém, porque alguns esboçavam sorrisos escarninhos. Devagar, murmurava;
Agora que tudo perdera, …ganhara um pouco de paz.

Válter Deusdado

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